Com casa cheia de profissionais e universitários de diferentes áreas, encerrou nesta sexta-feira (30/8), a Formação Inicial de Profissionais para a Implantação da Política Antimanicomial no Sistema de Justiça do Estado do Tocantins. O evento começou na quarta-feira (28/8), no auditório do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), com objetivo proporcionar momentos de reflexão e capacitação acerca do tema transtornos mentais, luta antimanicomial, e legislação pertinente.
A última aula foi sobre “Processo de implantação da Política Antimanicomial no Sistema de Justiça do Tocantins” e foi aberta pelo juiz Allan Martins Ferreira, coordenador do Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial do Tocantins (Ceimpa) e membro do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), que fez um relato histórico da sua relação com a temática e a execução da política no âmbito do Poder Judiciário.
O magistrado lembrou que os objetivos da política antimanicomial são a defesa dos direitos, a desinstitucionalização e a atenção integral. Para a implantação da Resolução CNJ n.º487/2023, Allan Martins falou que durante a jornada foi criado o Grupo de Trabalho Interinstitucional em Saúde Mental no Âmbito do Poder Judiciário; Protocolo de Intenções com o INSS e a Defensoria Pública da União para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) aos 18 internados e o apoio para a implantação do Serviço de Residência Terapêutica em Palmas, formação de profissionais, a criação do Ceimpa e assinatura do Termo de Cooperação.
O coordenador reforçou que a política antimanicomial é voltada para qualquer pessoa com transtorno mental, deficiência psicossocial, sejam elas custodiadas, presas, estando em prisão provisória, prisão preventiva, em cumprimento de medida de segurança, enfim, todas as pessoas implicadas com a lei penal. “E não necessariamente apenas aqueles que o juiz chegou e disse assim: olha, você é inimputável, eu vou te aplicar uma medida de segurança tal. Pode ser que a pessoa, mesmo sendo considerada inimputável ou ser imputável, possua um sofrimento mental, algum envolvimento com droga em maior ou menor escala, a tempo de não torná-la completamente capaz de entender o caráter ilícito dos atos que ele pratica”.
Allan Ferreira observou ainda que todos precisam “vestir a camisa” para que as ações deem certo e que haja transformação na vida das pessoas. Ela alertou também que é preciso superar o preconceito. “Acho que quando a gente veste a camisa para valer, a gente tem condição de transformar a nossa realidade, pelo menos ao nosso redor. A gente tem que se despir de preconceitos. Nós, trabalhadores da saúde mental, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da assistência social devemos nos despir de qualquer preconceito. A gente tem que olhar o outro como um ser humano igual a nós. Eles merecem respeito, eles merecem dignidade. ”
Ainda na aula de encerramento, o superintendente de Políticas de Atenção à Saúde do Tocantins, Robson José da Silva, enfatizou que a política antimanicomial é uma pauta interinstitucional e que a formação, realizada durante três dias pelo Poder Judiciário, foi um espaço de convergência e de consenso. “Antes não tínhamos alinhamento e tínhamos conflito, não quer dizer que não temos diferenças, mas que começamos a dialogar”.
Ele reforçou ainda que enquanto Secretaria Estadual do Tocantins, a ideia não era trazer um conjunto de normas e regramentos neste momento. “É trazermos o processo de reflexão de todos os trabalhadores que estão aqui, pensando no seguinte, vocês agregaram, ao longo desses dias, um capital intelectual, a partir de outros capitais intelectuais e vivências e experiências que são muito ricas, mas nós não podemos deixar essa riqueza somente para nós. O nosso desafio é sair daqui provocado, voltarmos para os nossos locais, nossos espaços de trabalho e falar: ‘agora, como que eu vou articular tudo aquilo que eu vi no meu território?’. É esse o desafio”, disse, ressaltando que é preciso mais que sensibilizar, é preciso abraçar a causa.
Ainda da Secretaria Estadual de Saúde, a psicóloga Karla Joane da Silva falou sobre as atribuições da Equipe de Avaliação e Acompanhamento de Pessoas com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP) e a relação com os municípios.
A primeira aula da parte da tarde foi sobre “O papel das equipes técnicas e de suas avaliações na medida de segurança e no processo de desinstitucionalização”, ministrada pelo professor de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Thiago Bagatin, que relatou ainda sobre sua experiência em um manicômio judiciário quando passou em um concurso público, resultando no livro de sua autoria “Manicômio Judiciário: a reclusão disfarçada de cuidado”.
O processo de desinstitucionalização
Dentro deste contexto, Bagatin destacou que, apesar de os manicômios judiciários serem tido como algo avançado na década de 30, como verdadeiros laboratórios para os psiquiatras onde importantes pesquisas eram desenvolvidas a partir destes espaços, no entanto, eram espaços de segregação social e que esta realidade pode ser mudada, graças ao advento da Resolução CNJ n.º 487/2023, que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário.
“O manicômio judiciário tinha a finalidade de defesa social, de segregar, tirar o “perigo” trazido pelo potencial desses sujeitos, da sociedade. Com a Resolução 487 foi possível reverter este quadro e aos poucos foi se criando a cultura de participação, de trabalhar com coletivo nos CAPSs - Centros de Atenção Psicossocial, um importante instrumento de desinstitucionalização para as pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei”, disse Thiago Bagatin, destacando a importância de um bom diagnóstico situacional e institucional para definição de métodos e técnicas a serem empregadas no processo de desinstitucionalização dos apenados.
Na parte da manhã, os(as) participantes tiveram a oportunidade de discutir o tema “A desinstitucionalização da pessoa privada de liberdade com transtorno mental: relatos de experiência”. A aula contou com as contribuições de Melina Miranda, assistente social e supervisora no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF); Shirley Alves dos Santos, assistente social do Serviço de Avaliação e Acompanhamento de Medidas Terapêuticas para as Pessoas com Transtorno Mental em Conflito com a Lei de Pernambuco; Carlos Gustavo da Silva Martin de Arribas, psiquiatra assessor técnico da Gerência de Atenção à Saúde Mental do Estado de Pernambuco (Gasam); e Karla Joane da Silva, psicóloga da Secretaria Estadual de Saúde, que atuou como codocente.