Justiça, garantia de direitos e promoção da cidadania a favor dos povos indígenas

Fotos:Rondinelli Ribeiro / Montagem: Arte Cecom

A eles (as) são reconhecidos sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que ocupam, conforme os artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Mas, na prática, o preconceito, as ameaças e situações de desrespeito ainda fazem parte da realidade dos povos indígenas.

No Tocantins, o Poder Judiciário (PJTO) atua para garantir os direitos fundamentais dos povos originários, promovendo justiça, cidadania e facilitando o acesso deles (as) aos direitos essenciais. Nesse sentido, na data em que se comemora o Dia dos Povos Indígenas (19/4), o Tribunal de Justiça do Tocantins traz ações realizadas em direção à proteção e inclusão das etnias que vivem em território tocantinense.  

 

Cidadãos(ãs) indígenas e o Judiciário do Tocantins

Karajá, Xambioá, Javaé, Xerente, Krahô, Krahô-Kanela, Apinajé, Avá-Canoeiro e Pankararu. São nove etnias existentes no Tocantins, representadas por cerca de 20 mil pessoas que se autodeclararam indígenas no Estado, conforme dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  

Eles (as) representam 1,32% da população total do Tocantins e vivem em diferentes regiões do Estado, como: Tocantínia (4.086), Goiatins (2.650), Tocantinópolis (2.352), Lagoa da Confusão (2.340), Formoso do Araguaia (1.633), Itacajá (1.195), Pium (983), Gurupi (802), Palmas (645) e Maurilândia do Tocantins (483), de acordo com o IBGE.

Assim como outros (as) cidadãos (ãs) tocantinenses, os (as) indígenas também podem encontrar no Judiciário estadual as portas para a garantia de direitos e da cidadania, por meio de uma justiça cada vez mais próxima, inovadora e efetiva.

Mais de 2,5 ações em tramitação

De acordo com dados da Coordenadoria de Gestão Estratégica, Estatística e Projetos (Coges/TJTO), com base em ações que envolvem os povos indígenas como partes em processos, há 2.573 ações em tramitação no Judiciário do Tocantins.

A etnia com maior número de processos é a Xerente, com 996; seguida da Krahô (841); Karajá (424); Javaé (187) e Apinajé (125). Muitos dos casos são referentes a crimes praticados contra indígenas e a cultura deles, além de retificação ou suprimento, ou ainda restauração de registro civil, e registro de nascimento após prazo legal.    

As comarcas com mais processos em tramitação são: Cristalândia, Formoso do Araguaia, Goiatins, Itacajá, Miracema do Tocantins, Palmas e Tocantinópolis.

 

Justiça mais próxima dos povos originários

A aproximação do Poder Judiciário do Tocantins com os povos indígenas também demanda deslocamento de estruturas de pessoal e física até as comunidades. Essa ação se concretiza por meio do Projeto “Círculos Restaurativos para Prevenção de Conflitos Envolvendo Povos Indígenas”.

A iniciativa do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Guaraí, em parceria com o Cejusc de Itacajá e Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), atua para reduzir qualquer distância entre o Poder Judiciário e os povos originários.

O projeto surgiu a partir das dificuldades dos indígenas em lidar com o dinheiro (poré na língua Krahô). A grande maioria encontra-se endividada e, como garantia de crédito, muitos acabaram entregando seus cartões de débito e crédito a comerciantes da região, situação que perdura desde década 90. Além desse problema, a equipe do Judiciário detectou outras situações de conflitos entre indígenas e comunidade não indígena.

Para alcançar os objetivos do projeto, o Judiciário tocantinense está percorrendo as 41 aldeias Krahô, nos municípios de Itacajá e Goiatins, no Norte do Tocantins. A proposta é prevenir conflitos, por meio do diálogo entre comerciantes e indígenas.

A iniciativa também busca estimular o protagonismo dos povos originários e reduzir o endividamento nas comunidades, além de efetivar as resoluções 225/2016 e 454/2022, do CNJ, que tratam da Justiça Restaurativa e o direito ao acesso dos povos indígenas ao Poder Judiciário.

Durante as visitas às aldeias, são realizadas palestras com temas sobre Direitos Indígenas, Educação Financeira e Agricultura Familiar Indígena. Até esta semana, 22 aldeias já haviam recebido a visita da equipe do projeto.

Neste mês, nos dias 10, 11 e 12, foram visitadas as aldeias Água Branca, Taipoca e Kinpojkré, todas no município de Goiatins. A programação contou com a presença do desembargador federal Pedro Felipe Santos, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região; do juiz José Maria Lima, membro do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e coordenador dos projetos permanentes; da pesquisadora do Opttins, Marcilene de Assis Alves Araújo; além de representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Câmara Municipal de Itacajá e de membros da Polícia Militar de Goiatins.

Experiência transformadora

Para quem trabalha com a promoção da justiça, como a juíza Luciana Costa Aglantzakis, que responde pela Comarca de Itacajá e coordena o projeto, a experiência tem sido transformadora.

O Poder Judiciário poderia ir a todas as comarcas do Brasil levando empoderamento aos povos indígenas, por meio da RJ (Justiça Restaurativa), a depender do conflito que eles estejam vivenciando”, diz a magistrada, explicando a Justiça Restaurativa. “É uma técnica para resolução de conflitos e que tem os círculos de construção de paz de Kay Pranis como uma forma de trazer empoderamento, cidadania, autonomia e dignidade aos povos indígenas.

O projeto foi destaque no 3º Prêmio Gestão Judiciária Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, realizado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Tocantins (CGJUS), em fevereiro deste ano, durante 3º Encontro de Juízas e Juízes Corregedores Permanentes e a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Tocantins (Encope).

 

“Mais uma afirmação de quem eu sou enquanto povo indígena”

 “Pra mim, foi mais uma afirmação de quem eu sou enquanto povo indígena, né? Porque eu sei que eu sou indígena, mas quando eu chegava num lugar e apresentava meu documento que não tinha nome indígena, era como se fosse, assim, uma dúvida, né?”, declara Wagner Katamy Krahô-Kanela, ao falar da decisão judicial que lhe garantiu o direito de assinar o nome da etnia a qual pertence.

Hoje, aonde eu chego, eu apresento o meu documento e eu falo quem eu sou. É uma forma mais fácil de me apresentar e dizer quem eu sou e a qual povo eu pertenço.

Wagner Krahô-Kanela e vários outros indígenas que não tinham identidade tiveram que buscar a Justiça, por meio de Ação de Retificação de Registro Público, para conseguirem o direito de incluir o nome da etnia a qual pertencem na certidão de nascimento.

As dificuldades que tinham para comprovar que eram indígenas, pela ausência do nome no documento, acabavam colocando em riscos os direitos deles. Situação que começou a mudar a partir das decisões do juiz da Comarca de Cristalândia, Wellington Magalhães. 

117 ações de retificação de registro

Como essa ação, outras mais de 100 deram entrada na Comarca de Cristalândia entre os anos de 2015 e 2017. Dos 117 processos distribuídos na Comarca durante esse período, 80 foram julgados pelo juiz Wellington Magalhães, todas totalmente procedentes, sendo que 79 tiveram decisão no prazo de menos de um ano. 

Nesse período, foram beneficiados indígenas das etnias Krahô-Kanela, Javaé e Ãwa, todas localizadas na região da Ilha do Bananal.

As decisões do magistrado levam em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, no sentido de garantir ao indígena o direito e respeito no que tange à preservação da identidade dele, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito.

“O direito à identidade cultural pauta-se na ideia do nome como forma de preservação de toda uma história e histórico de determinado indivíduo. É, pois, uma maneira de confirmar as raízes da pessoa e sua origem. Em relação aos povos indígenas não é diferente, o nome, aqui entendido como o de etnia indígena, representa uma ligação intensa não só com as raízes de sua terra e território, mas também como uma forma de identificação de seu grupo”, destaca o juiz Wellington Magalhães em trecho de uma de suas sentenças, referente a uma Ação de Retificação de Registro Público para Inclusão como Patronímico Nome de Etnia Indígena, proposta por Kawã Maukawa Hadomari Javaé.

A Constituição Brasileira se revela como um instrumento amplo na proteção e salvaguarda dos direitos indígenas, na medida em que, como Lei Maior, se impõe para que os direitos à terra, à cultura, à identidade, dentre outros, sejam-lhes assegurados.

“Só tenho a agradecer o esforço do Judiciário em concretizar um sonho do nosso povo. A inclusão da etnia em minha certidão de nascimento resgatou minha identidade e fortaleceu a nossa cultura”, destacou o cacique Wagner Javaé, da Aldeia Boto Velho.

O cacique reforça o agradecimento ao juiz Wellington Magalhães por ele ter iniciado o “sonho de inclusão social para todos”.

Audiência por videoconferência

Como meio de facilitar o acesso indígena à Justiça, em plena pandemia da Covid-19, em junho de 2021, a Comarca de Cristalândia viabilizou audiência por videoconferência com os Karajá da Ilha do Bananal.

Daniel Ohori Karajá, de 67 anos; Iracema Karaja, 82; e Butxiweru Karajá, 77; entraram na Justiça, na época, com pedidos para registro tardio de óbito de indígenas. Com o apoio dos advogados das partes, o juiz Wellington Magalhães realizou a audiência em formato de videoconferência, na plataforma Yalink, disponibilizada pelo Tribunal de Justiça do Tocantins, para oitiva das partes e testemunhas do processo.

 

Justiça, inclusão, cidadania e responsabilidade social

Joana Tepkaprek Krahô e Madalena Krahô, 106 e 104 anos, respectivamente, além de pertencerem à mesma etnia, possuem histórias parecidas. Em comum: uma decisão judicial que repararia danos moral e financeiro. As duas indígenas centenárias tiveram negado, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o direito de receber pensão por morte, depois de décadas de convivência com seus respectivos companheiros: Alcides Yaioko Krahô, falecido em abril de 2018; e Bernardino Krahô, falecido em agosto de 2021.

Mesmo diante da dor da perda de seus companheiros, as viúvas Joana e Madalena Krahô tiveram que recorrer à Justiça para conseguirem o reconhecimento da união e dos laços familiares enquanto casal.

Em decisões baseadas nos preceitos da responsabilidade social, inclusão, cidadania e promoção da justiça, a juíza Luciana Costa Aglantzakis, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Pedro Afonso, nestes feitos respondendo pela Comarca de Itacajá, município localizado a 314 quilômetros de Palmas, não só reconheceu a instituição familiar nas duas ações, como também a concessão da pensão para as duas no valor mensal de um salário mínimo, direito que havia sido negado pela Previdência Social.

No caso da viúva Joana Tepkaprek Krahô, a decisão foi publicada no dia 27 de julho de 2021, e de Madalena Krahô em 18 de abril de 2023.   

 

Garantia a indenização por descontos indevidos em benefício previdenciário

O Judiciário do Tocantins também vem garantindo a indígenas aposentados do INSS o direito a indenizações por descontos indevidos por parte de instituições financeiras.

Entre as sentenças em favor dos povos originários do Estado estão as do juiz Ariostenis Guimarães Vieira, da Comarca de Tocantinópolis. Ele concedeu, por exemplo, a um indígena da etnia Apinajé, de 76 anos, aposentado pelo INSS, o direito  à indenização de R$ 10 mil, por uma instituição financeira, como reparação de danos morais e materiais.

O indígena, da Aldeia Cocal Grande, zona rural de Tocantinópolis, Norte do Tocantins, recorreu ao Judiciário após ter descontos mensais em seu benefício previdenciário, entre abril de 2010 e julho de 2013, no valor de R$ 104,45, referente a um empréstimo consignado equivalente a R$ 3.290,80.

Na decisão, publicada em junho de 2016, o magistrado também condenou a instituição a restituir o valor de R$ 8.388,00 ao indígena a título de repetição em dobro do valor indevidamente descontado dos proventos do aposentado.

 

Poder Judiciário atento às causas indígenas

Atento a situações de violação de direitos, preconceitos e omissão, o Poder Judiciário do Tocantins vem atuado não só para garantir o acesso dos povos indígenas à justiça. Consciente do seu papel, tem promovido ações de responsabilidade social em várias comarcas do Estado, no sentido de levar conhecimento, protagonismo e cidadania às comunidades.

Muitos indígenas sequer contam com documentos civis que possam garantir acesso a direitos básicos, como educação e atendimento à saúde. Nesse sentido, o Judiciário do Tocantins há anos vem desenvolvendo ações para erradicar esse problema.

Um dos exemplos é a iniciativa do TJTO e da Corregedoria-Geral da Justiça, que em 2022 realizou uma ação na Escola Canuanã da Fundação Bradesco, em Formoso do Araguaia, para emissão da 1ª e 2ª via das certidões de nascimento, casamento e óbito; além da 1ª e 2ª via da Carteira de Identidade (RG) e correção dos registros.

Ainda nesse sentido, em 2012, aproximadamente 10 mil documentos foram fornecidos a indígenas tocantinenses por meio do Projeto Cidadania, Direito de Todos, uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o PJTO. No decorrer daquele ano, foram realizados seis mutirões em aldeias para entrega de documentos.

Acesso à leitura

A fim de promover o acesso à leitura e incentivar o hábito desde infância, o PJTO, por meio da Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat), promoveu a campanha de arrecadação de livros para a aldeia indígena Awã-Canoeiro. Graças à união de toda a equipe da Esmat, servidores(as) do TJTO, alunos(as) dos cursos, usuários(as) da biblioteca, familiares, amigos(as) e comunidade foram arrecadados cerca de 205 exemplares de livros de literatura destinados ao público infantil.

Ação solidária

Na Comarca de Araguaína, uma ação solidária em benefício das comunidades indígenas da região foi realizada no ano passado. Na ocasião, foram entregues roupas, calçados, itens de higiene pessoal, além de produtos de cama e banho, arrecadados por magistrados(as), servidores(as) e terceirizados(as) da Comarca. Os itens foram recebidos por representantes da Casa de Apoio à Saúde Indígena de Araguaína (Casai) para serem direcionados aos povos originários da região.

Diálogo, cultura e direitos

Aproximar o diálogo com o Poder Judiciário sobre a cultura, os direitos e deveres dos povos indígenas. Este é o objetivo do “Abril Indígena”, uma série de quatro debates acerca da cultura, costumes e tradições dos povos indígenas. A segunda entrevista, mediada pelo juiz Wellington Magalhães, foi disponibilizada na última segunda-feira (15/4), e a terceira e a quarta, nos dias 17 e 19 de abril, respectivamente.

A Esmat também é responsável pela promoção do Webinário “Cidadania e Justiça no Olhar Indígena Tocantinense – Um Diálogo Necessário e de Direito”. Despertar e fortalecer a consciência de magistrados(as), servidores(as) e comunidade acerca dos direitos humanos dos povos indígenas, bem como compreender a ordem cultural, seus costumes e tradições, é o objetivo do evento, que conta com entrevistas com especialistas e estudiosos sobre temas indígenas.

Demandas Xerente

Com reserva na área de jurisdição da Comarca de Miracema, no município de Tocantínia, os Xerente tem com o Judiciário uma relação amistosa na busca por solução de demandas judiciais envolvendo indígenas. Foi nesse sentido, que em 2019, por exemplo, o juiz André Fernando Gigo Leme Netto, titular da 1ª Vara Cível e da Vara de Família de Miracema, se reuniu com caciques, conselheiros da paz, anciãs e anciãos, estudantes e lideranças Xerente para discutir a cultura e judicialização das demandas dos indígenas envolvendo guarda, adoção, pensão alimentícia, reconhecimento de paternidade e medida socioeducativa.

Confira onde estão localizadas as etnias e as ações do Judiciário voltadas ao povos indígenas:


Fechar Menu Responsivo
Cursos Biblioteca Telefones
  • História

    A Escola  Superior da Magistratura Tocantinense (ESMAT), órgão do Tribunal de Justiça do Tocantins, com sede na capital Palmas e abrangência em todo o Estado, tem por objetivo a formação e o aperfeiçoamento de magistrados e servidores como elementos essenciais ao aprimoramento da prestação jurisdicional.

Rolar para Cima
Controle Cookies
Na Esmat, acreditamos que a privacidade é fundamental para uma internet saudável. Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, assumiremos que você está de acordo com essas condições.