
Refletir sobre transformação digital no Judiciário é mais do que falar sobre tecnologia, é projetar um futuro da Justiça com lucidez, ética e estratégia. E poucos fazem isso com tanta coerência entre pensamento e trajetória quanto o desembargador Marco Villas Boas, diretor geral da Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat) e presidente do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura (Copedem), que iniciou, na manhã desta terça-feira (13/5), o curso Transformação Digital no Poder Judiciário.
Logo no início, os(as) servidores(as) e alunos(as) do Programa de Residência Jurídica da Pós-Graduação em Prática Judiciária (PRJud) matriculados(as) na capacitação perceberam que não se tratava apenas de uma temática que está em alta, mas sim de uma provocação.
O diretor da Esmat construiu sua exposição de forma interdisciplinar, com passagens por filosofia, história do pensamento jurídico, economia política e inovação. Destacou como o atual modelo capitalista acelera a lógica das inovações — “não é mais uma por ano, mas todos os dias” —, criando um ambiente em que o conhecimento técnico pode ser transformado em produto, e o ser humano, em mercadoria.
Ao citar o surgimento dos sistemas generativos e a crescente presença de algoritmos nas decisões judiciais, alertou:
“Se ainda não perceberam, aqueles(as) que acham que não estão usando inteligência artificial…aprendam com seus smartphones. Vocês vão fazer uma busca no Google, vão utilizar o WhatsApp ou qualquer outro aplicativo, verão que há uma inteligência artificial assistindo à vida de vocês e, no lado obscuro dessa situação, também monitorando seus desejos, habilidades, vocações”.
Para o desembargador, o desafio é garantir que a ciência e a técnica não estejam a serviço apenas do capital, mas que sejam transcendidas por valores éticos. “Elas precisam olhar para o humano. É preciso ter uma comprovação válida do argumento”, defendeu.
Ao longo da manhã, abordou conceitos fundamentais como inteligência artificial generativa, sistemas inteligentes e os impactos da digitalização na gestão pública.
O olhar do desembargador Marco também se voltou para a realidade histórica brasileira. Ao convidar os(as) participantes para a abertura da exposição Vozes Silenciadas: A luta de Paula por liberdade, que ocorre nesta terça, às 16h30, no auditório do TJTO, relacionou o tema ao debate sobre os vieses raciais das tecnologias digitais.
Criticou a reprodução de desigualdades por sistemas supostamente neutros e ressaltou a importância da escuta atenta aos movimentos negros, especialmente nas diferenças entre as lutas da América Latina e da Europa. “Estamos em um processo distinto, porque fomos colonizados(as). Isso nos diferencia dos EUA”, explicou.
Ao rememorar o processo de digitalização no próprio TJTO, Villas Boas compartilhou suas vivências pioneiras. Disse ter sido um dos primeiros magistrados a incorporar tecnologias em sua rotina, mesmo enfrentando resistência. A sua fala percorreu ainda temas como Ética na IA, Exclusão Digital, Democratização do Conhecimento e os Limites do Raciocínio Computacional.
“O computador não pensa como nós; você possui suas individualidades, emoções e valores que o(a) diferenciam”, pontuou.
Ao defender uma estratégia para lidar com a tecnologia no Judiciário, argumentou que “os(as) juízes(as) precisam de suporte. Para melhorar a prestação jurisdicional, é preciso pensar sistemicamente”.
Depoimento

Na turma, a experiência repercutiu positivamente. A residente jurídica Tamires Brilhante sintetizou o sentimento de muitos(as) compartilhando que o “encontro tem sido muito enriquecedor para nós, residentes jurídicos. As expectativas são bastante positivas, sobretudo por se tratar de um módulo extra sobre Inteligência Artificial, um tema atual e relevante. A partilha de conhecimentos e os avanços tecnológicos no Tribunal de Justiça contribuem significativamente para a nossa formação”.
Nos próximos encontros, os(as) participantes vão explorar ferramentas como Bing Chat e Copilot, além de discutir a ética em IA, automação de processos judiciais e os impactos da digitalização na acessibilidade da Justiça. O curso segue até essa quinta-feira (15/5).