Resumo
A pesquisa tem como objetivo analisar criticamente a decisão da Federação Internacional de Xadrez (FIDE) que suspendeu, de forma temporária, a participação de mulheres transexuais em competições femininas. Ao excluir mulheres trans da categoria feminina, a FIDE não apenas reforça estereótipos transfóbicos e misóginos, mas também contribui para a perpetuação da ideia equivocada de que pessoas designadas como do sexo masculino ao nascer teriam vantagem intelectual intrínseca. A pesquisa, de caráter qualitativo, bibliográfico e documental, utiliza como marcos a Constituição Federal, tratados internacionais como os Princípios de Yogyakarta e a Convenção Americana de Direitos Humanos, além da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth, para demonstrar que tal decisão rompe com os três níveis fundamentais de reconhecimento: o afetivo, o jurídico e o social. O xadrez, por sua essência, deveria ser um espaço exemplar de inclusão e de respeito à pluralidade, por permitir igualdade de condições a qualquer indivíduo, independentemente de sua identidade de gênero, já que sua prática depende exclusivamente da cognição. Os resultados evidenciam que, embora o ordenamento jurídico brasileiro consagre princípios como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a não discriminação, ainda é omisso quanto à criação de normas específicas que garantam a inclusão esportiva de pessoas trans. Essa omissão normativa permite que entidades como a FIDE justifiquem decisões excludentes sob o pretexto de neutralidade regulatória, quando, na realidade, operam em sintonia com estruturas de exclusão historicamente consolidadas. Conclui-se que é urgente que a FIDE revogue tal decisão e crie diretrizes baseadas em evidências e no diálogo com a comunidade trans.Referências
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