Resumo
Este artigo analisa criticamente a teoria do capitalismo de vigilância desenvolvida por Shoshana Zuboff, articulando-a com a realidade brasileira contemporânea. O problema central investigado reside na forma como a extração massiva de dados pessoais, impulsionada por grandes corporações tecnológicas, afeta direitos fundamentais no Brasil, aprofundando desigualdades sociais e comprometendo a soberania informacional do país. O objetivo principal é examinar como o capitalismo de vigilância se manifesta no contexto brasileiro, especialmente em relação à desigualdade digital, à utilização de tecnologias de reconhecimento facial pelo Estado, à gestão de dados sensíveis em políticas públicas e aos desafios jurídicos para a proteção da privacidade. A metodologia adotada é de natureza teórico-conceitual e exploratória, com revisão bibliográfica das principais obras sobre o tema – destacando-se Zuboff (2019) – e análise de jurisprudência brasileira, especialmente decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal Federal (ADI 6.387 e ADI 5.527) e do Superior Tribunal de Justiça sobre proteção de dados. Nas considerações finais, conclui-se que o Brasil enfrenta desafios específicos na contenção das práticas do capitalismo de vigilância, devido à combinação de desigualdades estruturais, dependência tecnológica e fragilidades institucionais. Contudo, também se observa a emergência de resistências importantes, tanto no campo regulatório – com a promulgação da LGPD e a atuação da ANPD – quanto na atuação do Judiciário e da sociedade civil. O artigo aponta a necessidade de fortalecer políticas públicas, regulamentações e movimentos sociais para garantir a proteção de direitos fundamentais na era digital.Referências
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