“Consciência Negra é Mais Que Um Dia”. Reforçando a importância de reconhecer e celebrar a resistência e a luta do povo negro como uma prática cotidiana, o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) promoveu nesta segunda-feira (16/12), um evento com a presença de magistrados(as) e servidores(as) do Judiciário tocantinense. A abertura foi feita pela vice-presidente, desembargadora Ângela Prudente.
“A consciência negra vai além de um dia. É compreender que a luta contra o racismo não se esgota em ações pontuais, mas se fortalece na prática diária de inclusão, respeito e valorização. É entender que a história do povo negro não se resume a capítulos de dor, de opressão, mas também a uma rica trajetória de força, de resistência, de cultura vibrante e sabedoria. Temos muito o que aprender, principalmente aqui no Brasil, que é um país de muitas raças”, disse a desembargadora, ressaltando que o conceito de consciência, por si só, implica em constância. “Ser consciente é estar atento, é refletir e agir de maneira coerente com o que se reconhece como certo e justo. Portanto, a consciência negra deve ser vivida nos corredores das escolas, nos ambientes de trabalho, nas decisões judiciais e em todas as esferas da sociedade”.
A desembargadora Ângela Prudente enfatizou ainda que a verdadeira igualdade exige ações concretas, persistentes e comprometidas. “É nosso dever, portanto, abrir portas e remover barreiras. Hoje, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins cedia e celebra neste evento esse compromisso de estar ao lado daqueles que lutam por um mundo onde o mérito, o caráter e o talento sejam os únicos critérios de valorização de uma pessoa. Momentos como este nos convidam à reflexão. O que cada um de nós pode fazer a partir de nossos espaços para combater o preconceito e promover a verdadeira igualdade. O Poder, em qualquer esfera, deve refletir a diversidade da sociedade que ele serve. E a construção de uma sociedade sem discriminação racial exige não só leis justas, mas também corações e mentes transformados e transformadores.”
A coordenadora do Comitê Gestor de Política de Equidade de Gênero e Raça do Judiciário tocantinense e juíza auxiliar da Presidência, Rosa Maria Gazire Rossi, reforçou que o racismo estrutural existe em todos os espaços, inclusive no Poder Judiciário. “Nós somos casa de Justiça, mas o praticamos até mesmo em expressões, que por vezes não percebemos, o quanto denigre, torna desiguais as pessoas.”
Palestras
Após as falas de abertura, a juíza do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), Mariana Marinho Machado, falou sobre a “Representatividade de Mulheres Negras em Cargos de Poder”. Ela começou contextualizando sobre os espaços de poder hoje ocupados pelas mulheres, lembrando que as estatísticas mostram que, quanto maior o cargo, menor a representação feminina nos espaços de poder. “No nosso Congresso Nacional, as mulheres são 15% dos políticos que lá existem. E se tratar de mulheres negras, nós temos apenas 2%”, observou, lembrando que ao falar dessa realidade no Judiciário, ela se confunde com a sua própria história.
Nascida em família de classe média e estudando em escola particular, ela disse que nunca tinha sentido o preconceito tão de perto até se tornar magistrada. “Eu me tornei, literalmente, a minoria porque eu fiquei totalmente fora das estatísticas padrões da nossa magistratura brasileira; porque eu sou uma mulher negra, ingressei jovem, eu sou nordestina, e contrariei todas as estatísticas há quase 12 anos, então eu sou magistrada. E assim, quando eu me tornei juíza, eu vi, o racismo existe, porque eu estou totalmente fora dos padrões e estou em cargo de poder.”
O evento contou ainda com a palestra “Qualidade de Atendimento pela Perspectiva Racial”, ministrada por Jândria Maria Rodrigues dos Santos, especialista em Direito Estadual e diversidade racial. Com mais de 20 anos de atuação acadêmica e jurídica, a palestrante disse que é preciso tratar todos com respeito, empatia e acolhimento. “Nossa briga de luta não é vitimizar. Quem tem olho para ver, que veja.”
Jândria observou que há uma resistência do negro em se autodeclarar porque na realidade há uma inviabilização, a não percepção. “A gente não é vulnerável, a gente é vulnerabilizado”. A palestrante explicou ainda que existe o racismo individual e o estrutural. “O racismo individual é o que a consciência negra convida a não deixar pra lá”. O estrutural, ela diz que é quando se considera que existem classes, uma melhor e a outra não, e todas são consideradas raças humanas, mas há a que “te cabe e a que não cabe”.
Por fim, Jândria reforçou a necessidade de falar sobre racismo na mesa do jantar, porque não dá pra dizer que ele não existe. “Não é sobre combate. É sobre enfrentamento, transformar a realidade com o que tenho em mãos”.
O racismo no dia a dia
E em um espaço de debate e escuta, os(as) servidores (as) do Tribunal de Justiça do Tocantins, - Débora Galan, Daniella Negry, Débora Maria Ferreira, Neli Veloso Miclos, Valdeir Gomes Santana e André Vinicius subiram no palco e compartilharam situações relacionadas ao preconceito, racismo e mencionaram que a educação é um instrumento para mudar realidades.
Além das palestras, o evento contou com apresentações culturais como a exposição artística do grupo Pote de Ouro Arts, a declamação de poesias pelo poeta Cássio Charles Borges e a performance musical do grupo Vozes do Ébano.