Dia Nacional do Livro: literatura transforma vidas nas unidades prisionais do Tocantins

"Lembranças e saudades, coisas boas eu convivi. Não ouvi seus conselhos, na cadeia eu caí". Os versos escritos por um reeducando da Unidade Prisional de Tocantinópolis estampam uma das páginas do livro Recomeçar com Cordel — Um Novo Olhar para a Vida —, publicado em 2023 pelo Poder Judiciário em parceria com o Ministério Público e Secretaria de Educação do Tocantins (Seduc). A obra contém mais de cem cordéis e traz, em cada verso ou rima, um pouco da história e dos aprendizados de quem não quer ver a vida passar por detrás das grades.

“Os pensamentos que surgiram enquanto eu escrevia foram lembranças dos tempos em que estava em liberdade. Relatei experiências vividas, como uma passagem pela Suíça, a vida que levava nas ruas e outras reflexões que amadureci aqui dentro”, compartilhou o reeducando de Tocantinópolis, destacando que nunca imaginou ser um autor publicado.

Foto: Caio Borges

Para ele, a literatura e a educação foram determinantes na sua transformação pessoal. “Sem o estudo, você não é ninguém. Antes, não pensava em evoluir nos estudos; aqui dentro da prisão tive essa oportunidade. Concluí o ensino médio e agora estou cursando o ensino superior. Evoluí tanto na leitura quanto no conhecimento, e sou grato pela oportunidade que tive, apesar de estar preso”, disse.

“Quando sair, quero continuar estudando e me tornar uma pessoa melhor”, afirmou sobre escrever um novo capítulo de sua história.

O projeto de literatura que culminou na publicação da coletânea de cordéis teve início em 2019, em Tocantinópolis. São três obras ao todo, com a participação de reeducandos, servidores das unidades prisionais, professores, profissionais do Direito e representantes de instituições parceiras, como Ministério Público e Defensoria Pública.

Conforme explica o chefe da Unidade Penal de Tocantinópolis, Diego Ribamar Ferreira Rocha, o projeto busca promover a ressocialização e dar dignidade aos internos para que tenham uma nova oportunidade de vida ao serem reinseridos na sociedade. “A educação muda o ser humano, e o ser humano muda o mundo. É nosso objetivo enquanto policial penal, que não só guardar e vigiar, incentivar os internos a estudarem e trabalharem, para que voltem à sociedade com uma condição digna, com uma estrutura pelo menos básica para se reintegrarem à sociedade, voltarem para os seus lares”, disse. “Vimos no semblante deles a satisfação de fazer parte deste projeto, de expressarem suas emoções e vivências”, complementou.

A publicação do livro Recomeçar com Cordel – Um Novo Olhar para a Vida – contou com o trabalho de uma comissão interinstitucional. O Poder Judiciário contribuiu, por meio da Vara Criminal da Comarca de Tocantinópolis, com a destinação de penas pecuniárias para impressão das obras.

“A pena pecuniária também é conhecida como pena alternativa. Por meio dela, os(as) juízes(as) podem destinar recursos para entidades públicas ou privadas de caráter social, como no caso de projetos para unidades prisionais”, explicou Célia Regina Cirqueira Barros, assistente de Apoio ao Serviço Judicial e Administrativo da CGJUS.

“Assim, além de cumprir sua função punitiva, a pena pecuniária contribui diretamente para o financiamento de iniciativas sociais relevantes”, complementou.

“A Vara Criminal de Tocantinópolis já contribuiu com a publicação de três obras literárias com esse enfoque, cujo mecanismo, previsto na Lei de Execuções Penais do Brasil, permite que o tempo de prisão seja reduzido mediante o compromisso com atividades educacionais por parte dos apenados”, enfatizou o juiz Helder Carvalho Lisboa, da Comarca de Tocantinópolis.

Evolução

Na Unidade de Tratamento Penal Barra da Grota, em Araguaína, a evolução com a leitura se repete. Um dos reeducandos que cumpre pena no local entrou na cadeia sem o ensino fundamental completo, mas com os projetos educacionais promovidos na unidade teve a oportunidade de fazer o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) e agora quer cursar o ensino médio. “Os estudos e a leitura funcionam como terapia para nossa mente aqui dentro”, disse, ressaltando que pretende ser um exemplo para a filha.

“Quero ensinar tudo o que aprendi aqui para minha filha. Vou mostrar que a educação é fundamental e que o conhecimento é tudo na vida do ser humano”, afirmou.

Foto: Paulo Freitas

Em Araguaína, a Unidade de Tratamento Penal Barra da Grota conta com quatro projetos voltados à educação. Ações incluem cinema terapia, leitura, aulas da educação básica e ensino médio e leitura livre, que incentivam a produção de conteúdos literários. “Acreditamos que a educação é uma ferramenta de transformação, essencial para a sociedade dentro da unidade. Para se ter uma ideia, em 2023, setenta e quatro custodiados realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e trinta e oito foram aprovados. Esses projetos têm trazido melhorias significativas na vida deles, comprovando que a educação é um caminho para a mudança”, disse Paulo Freitas, diretor da unidade prisional.

Na Fazenda Agropecuária Penal, de Cariri, a leitura também vem transformando a vida dos reeducandos. Um deles, beneficiado por um projeto de educação profissional, está aprendendo nos livros as técnicas para cultivo de hortaliças.

“Esse curso é mais um aprendizado para nós reeducandos. É a oportunidade de aplicar o que aprendemos quando sairmos daqui e de ter uma nova profissão lá fora. Aqui dentro, já recebi certificados que não tinha, e estou muito orgulhoso. Agradeço muito pela oportunidade”.

Educação no Sistema Prisional                                                          

O Tocantins conta com vinte e cinco unidades penais, todas com o projeto de Remição de Pena pela Leitura (RPL). Destas, vinte e uma possuem escolas que oferecem aulas regulares, permitindo aos detentos transformar suas rotinas por meio do conhecimento. De 2023 a 2024, o número de reclusos beneficiados pelo programa aumentou significativamente, saltando de três mil e oitenta e uma remissões no ano para quatro mil e uma até o mês de agosto, segundo dados da Gerência de Reintegração Social, Trabalho e Renda ao Preso, da Secretaria de Cidadania e Justiça do Tocantins.

Foto: Diego Ribamar

Além da remição de pena pela leitura, os detentos têm a oportunidade de participar do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Também são disponibilizados cursos profissionalizantes em diversas áreas, como hidráulica, elétrica, construção civil, panificação, confeitaria, costura, olericultura, entre outros.

Conforme destaca Letícia Guimarães, pedagoga da unidade prisional Barra da Grota, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 1996) estabelecem a educação como um direito de todos, incluindo aqueles privados de liberdade.

“Os relatos dos custodiados mostram que assim eles se sentem mais valorizados e pertencentes à sociedade. A educação dentro da unidade de tratamento prisional cumpre sua função social, promovendo mudanças significativas na vida dos reclusos”, avaliou.

Conforme a Lei de Execução Penal nº 12.433, de 29 de junho de 2011, os presos em regime fechado ou semiaberto podem reduzir parte de sua pena por meio de trabalho ou estudo. A legislação estabelece que, para cada 12 horas de estudo, o detento tem direito à remição de um dia de pena, desde que essa carga horária seja distribuída em pelo menos três dias.


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