O extenso território brasileiro, com seus 850 milhões de hectares, é palco de desafios profundos quando o tema é governança de terras. As heranças históricas, marcadas pela concentração fundiária e desordem na ocupação, somam-se a questões atuais como segurança alimentar, justiça social e sustentabilidade ambiental. Foi nesse contexto que o I Fórum Fundiário, realizado, nesta segunda-feira (25/11), no auditório do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO), reuniu especialistas, gestores(as) públicos(as) e representantes da sociedade civil para debater as complexidades e as possibilidades da regularização fundiária no Brasil e, claro, no nosso Estado.
A programação colocou em evidência o poder transformador da regularização fundiária como um instrumento para garantir segurança jurídica e acesso a direitos fundamentais, como moradia e terra. Com palestras e exemplos reais que evidenciaram práticas bem-sucedidas, o evento destacou que regularizar terras é, antes de tudo, promover dignidade.
O papel do Judiciário
Abrindo a programação, o consultor internacional Richard Torsiano (FAO/ONU/Banco Mundial) apresentou uma análise convincente sobre o papel do Judiciário na governança fundiária brasileira. Com anos de experiência no tema, o palestrante destacou que os desafios contemporâneos da regularização têm raízes profundas, que remontam à colonização.
“Sem ações estruturadas, continuaremos falando de regularização fundiária por mais dois séculos. O Poder Judiciário tem um papel essencial nesse processo, tanto na mediação de conflitos quanto na modernização de cartórios e garantia de segurança jurídica. Precisamos enfrentar a raiz do problema e assegurar o direito à terra para todos,” pontuou Richard, enfatizando o potencial das iniciativas no Tocantins como inspiração para outros estados.
Segurança alimentar
A segunda palestra, conduzida por Vágmo Pereira Batista, delegatário do 1º Tabelionato de Notas e Registro de Imóveis de Miracema do Tocantins, mergulhou na relação vital entre regularização fundiária e segurança alimentar. Com dados alarmantes que apontam para milhões de pessoas em situação de fome no Brasil, Vágmo sublinhou o papel fundamental dos pequenos produtores rurais.
“Esses produtores, responsáveis por 70% da cadeia alimentar do país, sustentam tanto os grandes quanto os pequenos. Eles não podem ser excluídos do debate. Regularização fundiária é um processo contínuo que precisa garantir inclusão social e segurança alimentar,” destacou o delegatário.
Regularização urbana
Encerrando as palestras, a oficiala de registro de imóveis Clícia Roquetto, diretora de Regularização Fundiária da Associação dos Registradores de Imóveis do Paraná (Aripar), abordou os desafios e as oportunidades da regularização urbana no Brasil. Em um discurso repleto de provocações e esperança, Clícia destacou as barreiras enfrentadas pelos municípios, como equipes reduzidas, falta de estrutura, desconhecimento legislativo e receios quanto à responsabilização futura.
“A Reurb é uma força motriz para o desenvolvimento do país. (...). Aos prefeitos que assumirão os municípios no próximo ano, firmem um compromisso com o Tribunal de Justiça: façam da regularização fundiária uma realidade. Ordenar o desenvolvimento do município é garantir o bem-estar de seus habitantes”, afirmou.
A palestrante reforçou que a Reurb só será um instrumento efetivo se todos os atores estiverem engajados no mesmo propósito, ressaltando a importância de cooperação e planejamento.
“Na Reurb, podemos fazer muito, mas não podemos fazer tudo. É fundamental que a regularização fundiária seja conduzida com responsabilidade, para que possamos, de fato, resolver o problema daquela população. É importante que vocês compreendam que regularização fundiária não se resume a entregar a matrícula do imóvel ao ocupante; trata-se de um processo muito mais amplo. Ele envolve medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais”, pontuou Clícia.
Mediação e debatedores
Mediadas pelo juiz Wellington Magalhães, coordenador do Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária (Nupref), as palestras foram um espaço para compartilhar boas práticas, conectar experiências locais a debates globais e reforçar a importância do trabalho integrado entre o Poder Judiciário e os municípios.
Na primeira palestra, os debatedores foram Vágmo Pereira Batista e Clícia Roquetto. Na segunda palestra, participaram Edmundo Rodrigues Costa, superintendente regional do INCRA/TO; Aleandro Lacerda, presidente da Tocantins Parcerias; e Richard Torsiano. Já a terceira palestra contou com a presença de Vânia Sousa, advogada responsável pela regularização fundiária em Araguaína/TO; Josiene Soares Guimarães, advogada e presidente da Comissão de Regularização Fundiária na Prefeitura de Dianópolis; e Humberto Xavier, professor doutor e presidente do Instituto de Atenção às Cidades (IAC/UFT).
Na ocasião, a Tocantins Parcerias homenageou a desembargadora Maysa Vendramini Rosal e o juiz Wellington Magalhães, ao entregar uma placa com os seguintes dizeres: A Tocantins Parcerias agradece ao Poder Judiciário pela valiosa parceria na regularização fundiária nos últimos dois anos. Juntos, promovemos dignidade e cidadania para milhares de tocantinenses, garantindo o direito à moradia e transformando vidas.
O I Fórum Fundiário, promovido pela Corregedoria-Geral da Justiça do Tocantins (CGJus) em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat), não apenas debateu os desafios da regularização fundiária, mas também ofereceu caminhos para construir um Brasil mais justo e inclusivo. Pois, como bem resumiu Richard Torsiano:
“Regularizar terras é garantir que cada cidadão tenha um lugar na sociedade e no território brasileiro”.