Facilitadoras(es) restaurativas(os) de todo o Tocantins se reúnem na Esmat para tratar sobre Justiça que escuta e reconstrói

Foto: Hodirley Canguçu

Aproximar pessoas que lidam, diariamente, com histórias de dor, conflito e violência, para falar de cuidado, escuta e reconstrução de vínculos. Com esse compromisso, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO), por meio do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), e da Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat) realiza, nesta quinta-feira (4/12), o V Encontro de Facilitadores Restaurativos do Poder Judiciário Tocantinense.

Ao todo, 47 facilitadoras e facilitadores restaurativos(as) de todo o Tocantins participam da programação, voltada à capacitação continuada, ao fortalecimento da rede de Justiça Restaurativa (JR) e à articulação das experiências que vêm sendo desenvolvidas no Estado.

Na abertura, a juíza Silvana Parfieniuk, coordenadora do Nupemec, ressaltou o caráter diferenciado desta edição, construída exclusivamente para quem atua diretamente como facilitador(a) restaurativo(a). “Embora já estejamos no quinto encontro, esta é a primeira vez que trazemos um diálogo mais aproximado somente entre os(as) facilitadores(as)”, afirmou. Ela explicou que o formato foi pensado para criar um espaço de pertencimento e de reconhecimento mútuo entre profissionais que atuam em diferentes regiões do Tocantins:

“O que queremos com este formato é aproximar todos(as) os(as) facilitadores(as) – muitos(as) até mesmo invisíveis uns(umas) dos(as) outros(as), porque o nosso Estado é muito grande e acaba dispersando as pessoas. Assim, mantemos essa oportunidade de estar, por um momento, apenas entre pessoas que atuam na mesma área. O que nós queremos, realmente, é proporcionar mais encontros dessa natureza, porque é isso que fortalece a nossa atuação, fortalece o nosso serviço e aprimora todas as nossas iniciativas”.

Palestra de abertura

A palestra de abertura, com o tema “A Justiça Restaurativa dialogando com o Direito Penal”, foi ministrada de forma virtual pelo juiz Antônio Dantas de Oliveira Junior, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Araguaína. Ao trazer um de seus casos recentes como exemplo didático, o magistrado ressaltou que a resposta estatal, por meio da lei penal, não é suficiente para dar conta da complexidade dos conflitos humanos.

“Em muitos casos, a mera observância da lei penal não é suficiente. É preciso ampliar o foco para alcançar o que realmente está por trás das causas que levaram a pessoa a cometer o crime, e também para compreender as consequências desse ato, que são nefastas para a sociedade”, pontuou.

Na sequência, o juiz apresentou a relação entre violência, trauma e sensação de insegurança como um dos pontos centrais para quem atua com Justiça Restaurativa: “Hoje nós vivemos um ciclo grande de violência. Neste início de novo milênio, surgem centenas de conflitos, seja na área criminal, seja na área ambiental, em todas as frentes. Poucas pessoas, porém, falam sobre a relação ou a correlação que existe entre trauma, segurança e violência. Trauma e violência estão profundamente conectados. Em geral, a violência leva ao trauma, e o trauma não curado, por sua vez, pode levar a novas violências e a uma sensação permanente de insegurança”.

Comparando a Justiça Restaurativa ao modelo retributivo clássico, o juiz provocou as facilitadoras e os facilitadores presentes questionando: “Como trabalhar pela segurança humana nesses tempos conflituosos sem contribuir com mais violência? Será que o processo judicial, sozinho, contribui ou não contribui? Será que o processo criminal e os encarceramentos contribuem ou não contribuem com mais violência e mais trauma em um mundo já traumatizado e violento?”. Ao tratar dos objetivos da Justiça Restaurativa, o palestrante lembrou que reparar danos não se resume a punir.

“A Justiça Restaurativa pode ser um enfoque, pode ser uma ferramenta para tudo isso. A Justiça Restaurativa tem, sobretudo, um lema: tratar os(as) outros(as) como gostaríamos de ser tratados(as)”.

O magistrado também apontou os limites do Direito Penal: “O Direito Penal, isoladamente, não é suficiente para diminuir a violência e a criminalidade. Ele é apenas uma das ferramentas. O sistema penal, tal como o conhecemos, muitas vezes destrói pessoas e relacionamentos. Não se trata de ser “contra a lei”, mas de reconhecer que não basta a mera punição. É preciso ir além, aprofundar-se nessa temática. A Justiça deve reparar e reconstruir pessoas e relacionamentos. A Justiça deve auxiliar na reconstrução das pessoas e dos vínculos que foram rompidos pelo crime”. Direcionando a fala aos(às) presentes, o juiz sintetizou o papel de quem atua na facilitação de processos restaurativos:

“O(A) facilitador(a) é a pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidas no processo restaurativo. Ele(a) precisa saber ouvir sem julgamento, com empatia, ser uma presença não ansiosa e capaz de lidar com histórias difíceis. Na Justiça Restaurativa, a história é do(a) outro(a), não do(a) facilitador(a). Promover a reaproximação e a reintegração é algo complexo, mas necessário para romper com a perpetuação da violência”.

Na oportunidade, a coordenadora do Nupemec também chamou a atenção para a diferença entre o modelo penal tradicional e a proposta restaurativa. “O processo penal é, muitas vezes, um processo frio e indiferente, praticamente matemático: fez isso, recebe aquilo. A Justiça Restaurativa é justamente essa oportunidade de a pessoa ser ouvida e compreendida em suas dificuldades. É uma nova política, um incentivo plenamente apoiado pelo Conselho Nacional de Justiça. Hoje, nós precisamos fortalecer a Justiça Restaurativa principalmente nessa esfera penal”, acrescentou.

Ao tratar da atuação em ambientes prisionais e do dever de reintegração social, a magistrada lembrou que todas as pessoas privadas de liberdade voltarão à sociedade em algum momento:

“Ele(a) tem a capacidade de retornar à sociedade, porque vai retornar de uma forma ou de outra – no Brasil nós não temos prisão perpétua. Então, se nós conseguirmos trabalhar e resgatar pelo menos alguns(algumas) deles(as), penso que já teremos feito um grande trabalho e alcançado muito êxito nessa iniciativa”.

Círculo de Paz: “Qual a sua importância como facilitador(a) na sociedade?”

Ainda na programação da manhã, os(as) participantes se reuniram no Círculo de Paz com o tema “Qual a sua importância como facilitador(a) na sociedade?”. Conduziram a atividade:

  • A juíza Luciana Costa Aglantzakis, coordenadora do Cejusc das Comarcas de Pedro Afonso e Itacajá;
  • A pedagoga Eliene Diniz da Silva, servidora no Cejusc de Araguaína;
  • A assessora jurídica e administrativa do Nupemec, Lorena da Cruz Neves Pimenta Gutierrez;
  • Professora Taynã Nunes Quixabeira, do programa Caminhos para Proteção: Chega de Violência nas Escolas, do Ministério Público do Tocantins.

Em roda, os(as) facilitadores(as) foram convidados(as) a se apresentar, revisitar suas trajetórias e responder à pergunta norteadora, em um ambiente de escuta ativa e compartilhamento de percepções.

Entre os relatos, o facilitador Sérgio Leal Mota, de Guaraí, descreveu a JR como um modo de ser no mundo. “Eu não vou mencionar os projetos porque, realmente, às vezes a gente favorece mais um do que o outro, mas quem participa e, na sua essência, tem a JR como fundamento de vida realmente vê que é algo transformador. Independente de você estar presente, ou não, é algo que utiliza na sua casa, nas suas relações, reconhecendo que temos erros e defeitos. Eu acredito que a JR é um reflexo do nosso trabalho. Então, a gente, enquanto ser humano, depois que reconhece esse trabalho da JR, não volta mais a ser o(a) mesmo(a). Depois que a  gente realmente participa de algo, quer ouvir o que a pessoa tem a falar, da sua essência, com o seu sentimento. E, a partir desse sentimento, a gente tenta transformar a realidade do(a) outro(a)”, compartilhou.

Oficinas práticas e compartilhamento de experiências

No período da tarde, a programação seguirá com quatro oficinas simultâneas sobre experiências práticas em Justiça Restaurativa no Judiciário Tocantinense, conduzidas por Taynã Quixabeira, Eliene Diniz, Luciana Aglantzakis e Lorena da Cruz, com foco em casos concretos, aprendizados e desafios cotidianos.

Seminário abre diálogo com a sociedade

Na sexta-feira (5/12), às 9 horas, a programação continua com o VI Seminário de Justiça Restaurativa, no auditório do TJTO. Diferentemente do encontro de facilitadores(as), o seminário é aberto ao público em geral, e as inscrições são gratuitas, podendo ser realizadas neste link.

Com carga horária de 6 horas-aula, a programação prevê quatro palestras e uma mesa de apresentação de boas práticas. Entre as convidadas estão magistradas de diferentes estados, que vão abordar temas como:

  • “Protocolo Eu Te Vejo: Prevenção à violência entre adolescentes”, com a juíza Vanessa Cavalieri (TJRJ);
  • “Vidas em Recomeço: Justiça Restaurativa contra os desfuturos do encarceramento feminino”, com a juíza Mirella Cezar Freire (TJMA);
  • “Círculo de Sentença Conflitivo”, com a juíza Sandra Magali Brito Silva Mendonça (TJBA);
  • “Justiça Restaurativa e Literatura”, com a juíza Berenice Ferreira Silveira Nassar (TJPR).

A programação completa do seminário pode ser conferida clicando aqui.


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